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Masaya: um mundo mais solidário através do teatro e da aprendizagem cooperativaMasaya: um mundo mais solidário através do teatro e da aprendizagem cooperativa

Por IberCultura

EnEm 15, jul 2021 | Em | Por IberCultura

Masaya: um mundo mais solidário através do teatro e da aprendizagem cooperativa

(Fotos: Asociación Masaya)

 

Em Costa Rica existe uma associação sem fins lucrativos integrada por pessoas que estão convencidas de que um mundo mais solidário é possível através da aprendizagem cooperativa e da arte como ferramentas de transformação. Criada em 2007 em Caracas, Venezuela, a Asociación Masaya (Teatro Más Convivencia) está presente desde 2012 em Costa Rica, onde tem capacitado diferentes pessoas (líderes de comunidades e do âmbito educativo) para que possam melhorar as relações, multiplicando espaços de convivência em seus ambientes de trabalho. Essas pessoas são chamadas de “multiplicadoras de solidariedade”.

Na Metodologia Masayera, para alcançar uma convivência saudável em comunidade é necessário que cada pessoa esteja atenta ao autocuidado (ou “auto-cuido”, como dizem em Masaya) e ao que eles chamam de “coleti-cuido”. Ou seja, o autocuidado, aqui entendido como o cultivo e cuidado do “eu” de uma maneira integral, é um conceito trasladado ao coletivo, ao comunitário. “Coleti-cuido”, portanto, é a intenção de uma comunidade de cuidar-se entre si, valorizando e motivando o autocuidado de maneira colectiva.

 

 

 

Uma pessoa masayera, segundo o glossário da organização, é aquela que assume o aprendizado cooperativo como estilo de vida. Com seus erros e acertos, busca possibilitar relações solidárias e desfrutar os diferentes desafios que se dão ao viver e conviver em comunidade. Atenta ao autocuidado, busca manter um equilíbrio entre a energia que sai de si e a que consegue recarregar. E sabe da importância de seguir constantemente em formação.

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Capacitações

Transitando do “auto-cuido” ao “coleti-cuido”, a Asociación Masaya oferece serviços de formação como o Programa Redes de Apoio Mútuo, dirigido a habitantes de comunidades que querem melhorar a forma de autogestionar seus processos de vinculação comunitária. Este programa, organizado em cinco módulos de 5 a 12 horas cada, abarca cinco áreas: integração comunitária, ferramentas de facilitação, gestão de eventos comunitários, plano de gestão para a captação de fundos e tecnologias de informação para o fortalecimento comunitário. 

Outro programa masayero, a Metodologia SEn (Sentir Educando-nos), está centrado em motivar e acompanhar o pessoal do âmbito educativo em seu processo de melhorar a forma com que incentivam e humanizam sua comunidade educativa. Neste programa são abordados temas como “auto-cuido”, “coleti-cuido”, o manejo de personagens dramáticos (participantes com atitudes daninhas para a convivência) e a gestão de trabalho em subgrupos, entre outros.  

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Primeiras oficinas

Quando decidiram criar a organização em Caracas, em 2007, Vyana Preti e Ricardo Salas Correa trabalhavam na produção de musicais. Entre uma sessão e outra, conversando sobre como poderiam a outros lugares o “caos positivo” que vivenciavam com o elenco atrás do palco, decidiram unir a experiência que Vyana tinha desde criança nas artes cênicas, e Ricardo, no trabalho comunitário. E assim passaram a realizar cursos com enfoque em ferramentas de facilitação e coesão grupal.

Outras pessoas foram se incorporando à proposta masayera e rapidamente se deram conta de seu potencial para trabalhar em comunidades sob o estigma da violência. Tendo o teatro como uma ferramenta fundamental de expressão, que potencializa os espaços de convivência, foram brincando e criando ferramentas pedagógicas, técnicas grupais, documentando e compartilhando os aprendizados. 

Quando se referem a técnicas grupais, as e os masayeros o usam como um genérico que abarca exercícios teatrais, dinâmicas de grupo e jogos cooperativos. No site da organização há uma série de técnicas grupais para reproduzir, assim como “5 sugestões” para temas variados. Entre elas, como documentar processos grupais,  como gravar vídeos com celular,  como realizar atividades comunitárias ao ar livre,  como fazer convocatórias em comunidades, como trabalhar em rede entre organizações ou como usar música como recurso pedagógico, por exemplo.

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Pontos de Cultura

A Asociación Masaya foi selecionada três vezes nas convocatórias de Pontos de Cultura lançadas pelo Ministério de Cultura e Juventude de Costa Rica. Em 2016, o projeto desenvolvido foi “Punto Teatro”, que tinha como objetivo criar uma rede de apoio solidário entre organizações provenientes de comunidades estigmatizadas como violentas. Em 2019, o projeto “Removernos” deu continuidade a um projeto realizado na Escola Inglaterra, por parte do Colectivo R3M, onde trabalhavam com crianças a abordagem de habilidades socioemocionais através de aulas de dança. (A associação trabalhava em paralelo com os professores, com a Metodologia SEn).

Em 2021, o projeto ganhador da convocatória de Pontos de Cultura foi  “Conexiones empáticas”, uma série de oficinas prévias ao 3º Festival Internacional Comunitário (FIC): Cultura Periférica, que este ano será realizado de modo virtual, de 6 a 19 de setembro. O 3º FIC é uma produção conjunta de Masaya e dois coletivos brasileiros: o Grupo Levante de Teatro del Oprimido e o grupo de teatro de mulheres negras Morro Encena. A primeira edição do festival foi na comunidade La Carpio, na Costa Rica. A segunda, em 2019, se realizou em Belo Horizonte, Brasil. 

Cori Salas Correa, irmã de Ricardo que vive no Brasil e também faz parte da direção da Asociación Masaya, foi quem fez a conexão com as organizações brasileiras. “Sua disposição a nos conectar com outras iniciativas socioculturais foi fundamental neste processo”, comenta Ricardo em entrevista por e-mail ao programa IberCultura Viva.

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Quem são

Ricardo Salas Correa desde a infância tem estado ligado ao trabalho comunitário e participado de diferentes organizações sociais. Venezuelano que reside em San José (Costa Rica) desde 2012, e que nos últimos anos tem se especializado em formação de formadores, é pedagogo graduado na Universidade Católica Andrés Bello (Caracas, Venezuela), com pós-graduação em Gestão de Empreendimentos e Cidades Criativas (Universidade Nacional de Córdoba, Argentina).

Layly Castillo Lucena, que divide com ele a entrevista, também é uma venezuelana que reside em San José, cofundadora da Asociación Masaya. Educadora com mais de 15 anos de experiência, professora pela Universidade Pedagógica Experimental Libertador (Vargas, Venezuela), tem se dedicado a compartilhar e aprender conhecimentos em diversos cenários educativos, assumindo papéis como coordenadora pedagógica e diretora, além do trabalho em sala de aula com crianças em vários centros de educação inicial.

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Entrevista// Ricardo Salas e Layly Castillo

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Masaya surge em 2007, em um contexto de violência na Venezuela. Como se deu esta relação entre o que acontecia nos musicais em que vocês (Ricardo e Vyana) trabalhavam e o trabalho comunitário?

Ricardo Salas

Ricardo: Me criei num contexto de um movimento cooperativo de base, na cidade de Barquisimeto, Venezuela, chamado Red Cecosesola, o que fez com que trouxesse o comunitário comigo desde antes de nascer. Por isso, quando me formei como pedagogo queria colocar os aprendizados que fosse adquirindo ao serviço de ações com impacto social. Por outro lado, Vyana (Preti) desde criança havia estado ligada ao mundo do teatro, tanto como atriz como produtora. Somado a isso está o fato de que na Venezuela de 2007 as violências urbanas se faziam sentir com muita força em diferentes ámbitos. E em comunidades sob o estigma da violência, promover uma melhor convivência tinha mais relevância. 

Por isso, estando atrás do palco dos musicais, sessão após sessão, Vy e eu fomos conversando sobre como poderíamos fundir o comunitário e as ferramentas teatrais a favor de somar no grande problema das violências na Venezuela.

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Desde o princípio a ideia era capacitar pessoas líderes de comunidades e educadoras? Para que pudessem ser multiplicadoras da metodologia?

Ricardo: Desde 2007 até 2016, fazíamos capacitações tanto para pessoas líderes comunitárias e pessoas educadoras como comunidade em geral (crianças, jovens, pessoas adultas…). Foi a partir de 2017 que identificamos, depois de toda a experiência vivida, que se quiséssemos um maior alcance de nosso impacto social era fundamental centrarmos somente em pessoas que pudessem multiplicar espaços de formação através de nossa Metodologia Masayera. 

Por exemplo, no que diz respeito a processos formativos em comunidades sob o estigma da violência, em vez de dar uma oficina para a comunidade em geral, que fique linda e de excelente qualidade, mas que ao irmos embora não haja muitas possibilidades de que isso gere uma mudança sustentável, agora nos centramos só nas pessoas que lideram os processos grupais dessas comunidades, para assim poder gerar uma maior escalabilidade, já que quando formos, deixamos pessoas das próprias comunidades com ferramentas para que multipliquem o aprendido. 

Como administrar reuniões de vizinhos eficientes? Como gravar vídeos com celular para sistematizar e difundir processos comunitários? Como produzir eventos comunitários? … são parte das interrogações que em coletivo resolvemos em nossas capacitações para pessoas líderes comunitárias.

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Com a mudança da Venezuela para a Costa Rica, houve alguma mudança em relação ao público com que a associação trabalha? Vocês continuam trabalhando na Venezuela ou em colaboração com coletivos venezuelanos?

Layly Castillo

Layly: Mudaram muitas coisas. Na Venezuela, éramos uma cooperativa e o era muito variado o público com que compartilhamos, desde crianças até pessoas adultas educadoras, facilitadoras e líderes de comunidades; muito saboroso ter a possibilidade de explorar o que nos encanta fazer e assim ir descobrindo com o tempo em que nos centraremos. 

Já na Costa Rica registramos Masaya como uma empresa, naquele momento era o mais simples, já que nos permitia seguir em um novo país fazendo o que nos apaixona, requerendo somente duas pessoas para registrá-la. Seguidamente, quando ja éramos uma equipe um pouco maior, nos registramos como uma associação sem fins lucrativos, e continuamos trabalhando com todo público, ou seja, com toda a comunidade ou grupo de pessoas que requeira apoio para obter ferramentas para melhorar sua convivência. Passado o tempo, e depois de muitos acertos e desacertos, fomos centrando nosso trabalho nas pessoas educadoras e líderes comunitárias, a quem gostamos de chamar pessoas multiplicadoras de solidariedade.

Atualmente trabalhamos e colaboramos com pessoas na Venezuela e com venezuelanos que ganham a vida em outros países também. Um exemplo é Cecosesola, com quem compartilhamos muitas experiências presencialmente, e agora também virtualmente.

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Vocês trabalham com oficinas contratadas e também com processos de treinamento gratuitos a pessoas líderes e educadoras. A contratação ajuda a financiar os processos gratuitos?

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Ricardo: É assim, nosso modelo de negócio (diferentemente de muitas ONGs) depende em 99% da venda de serviço (não de doações) a instituições – e pessoas – que contam com o dinheiro para pagar por nossos serviços de formação. Como somos uma organização sem fins lucrativos, o dinheiro adquirido como “ganância” é 100% reinvestido no impacto social do nosso trabalho. Com a venda dos serviços, financiamos as ações que, com baixo custo – ou sem custo algum –, geramos para pessoas líderes e pessoas educadoras. Algumas destas ações são: Banco de Recursos pedagógicos situados em nossa web, produção e difusão de vídeos educativos, realização das sessões de Masaya Puertas Abiertas, doações de vagas para nosso curso assíncrono, chamado Como facilitar aulas virtuais cativantes?, entre outras ações de impacto social.

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Já podem ver os resultados desses anos de trabalho nas comunidades?
 

Ricardo: Em termos de relações humanas, nos contatos que mantemos com estas pessoas, o que vão replicando e a forma como manifestam que lembram positivamente o aprendizado, podemos dizer com toda a certeza que sim. Só devemos reconhecer que precisamos aprofundar a forma com que, desde Masaya, medimos o impacto de nosso trabalho. Nos emociona saber que com nossa experiência de mais de 13 anos, temos impactado mais de 6.000 pessoas, coproduzindo histórias com mais de 70 organizações do setor público e privado, que ganham a vida em diferentes países da América Latina, através de modalidade presencial, virtual e mista.

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Vocês foram selecionados na convocatória de Pontos de Cultura do Ministério de Cultura e Juventude 2021. Já haviam sido selecionados antes com outros projetos, não? Estabeleceram uma boa relação de trabalho colaborativo com o Estado?

 

Layly: Sim, temos a alegria de dizer que somos a primeira associação em Costa Rica a ganhar 3 vezes a convocatória de Pontos de Cultura. A primeira foi em 2015; a segunda em 2019, e agora em 2021, com o projeto “Conexiones Empáticas“. Temos uma relação muito transparente e de confiança com pessoas que fazem parte deste fundo concursável, e isso tem sido possível graças ao bom manejo que temos dado ao apoio de Pontos de Cultura. Aprendemos a ser mais eficientes na aplicação de orçamentos, na sistematização do processo e temos sempre mostrado com evidência o bom uso dos fundos. Nos sentimos agradecidas, já que, sem dúvida, tem sido uma escola.

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Masaya é uma das organizadoras do Festival Internacional Comunitário, em colaboração com dois grupos de Belo Horizonte (Brasil). De que maneira os intercâmbios com grupos de Brasil e Argentina têm contribuído para o trabalho da associação?

 

Ricardo: Na Metodologia Masayera assumimos o aprendizado cooperativo como um estilo de vida, e o fazemos porque estamos convencidas de que trabalhando/aprendendo com outras pessoas a vida se faz mais saborosa, e coproduzir o Festival Internacional Comunitário (FIC) não tem sido diferente. Nas duas primeiras edições, assim como nesta que faremos daqui a poucos meses, poder trabalhar em equipe junto a pessoas de diversas nacionalidades e realidades é uma maravilha. 

É importante ressaltar que em cada edição tem variado as organizações que coproduzem o festival, mas sempre se mantêm o Grupo Levante e nós da Asociación Masaya. Na terceira edição, somamos como organização coprodutora a Morro Encena, e estamos superfelizes de contar com esta grande equipe, mais todas as pessoas que apoiam nosso trabalho de uma maneira ou outra.

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Uma curiosidade: li que desde a infância você tem estado ligado ao trabalho comunitário… De que maneira? Seus pais tinham algum trabalho com/para a comunidade?

 

Ricardo: Meu pai e minha mãe há mais de 40 anos fazem parte da Rede Cecosesola, formada atualmente por mais de 50 organizações comunitárias sem fins lucrativos, em diversas atividades, como abastecimento, funerário, autofinanciamento, saúde, entre outros. Aqui vocês podem conhecer detalhes dessa importantíssima organização, 100% autogerida que gera incidência em mais de 5 estados da Venezuela. 

A Rede Cecosesola tem feito parte de todas as edições do FIC, facilitando uma sessão de oficina/conversatório como organização convidada, tanto em Costa Rica como no Brasil. Por isso não é casualidade que em “Conexões Empáticas”, que estamos administrando atualmente, nas diferentes oficinas que estamos realizando, haja participação de algumas pessoas integrantes desta rede cooperativa.

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De que maneira a pandemia tem afetado o trabalho de vocês? Seguem fazendo capacitações de maneira presencial? A pandemia de Covid-19 tem ressignificado o uso do espaço público nas comunidades onde atuam na Costa Rica?

 

Layly: A pandemia mudou a nossa vida, como a de muitos. Em Masaya buscamos seguir adiante, adaptando-nos ao novo contexto. Vendo que os processos agora estavam sendo virtuais, pensamos em como poder apoiar pessoas que lideram processos grupais, para que suas práticas não perdessem a essência, o dinamismo, e sobretudo o humano. Como o virtual se tornou nossa nova forma de conectar com as pessoas, o presencial por agora é complexo, já que nos cuidar é vital para que Masaya siga sendo operativa. Nossas capacitações têm permitido nos reunirmos com pessoas de vários lugares do mundo para conversar, reflexionar e compartilhar sentires e saberes com aquelas pessoas que, como nós, haviam voltado suas práticas para o virtual.

Atualmente, Costa Rica enfrenta o maior pico de contágios e isso tem feito com que as medidas sejam mais apertadas e que os espaços públicos ainda sigam fechados como prevenção. Esperamos logo retomar com consciência e responsabilidade o uso desses lugares que nos convidavam a viver a partir do encontro. Nos orgulha saber que quando se possa retomar a presencialidade nossa Metodologia Masayera seja mais “todo terreno”, já que poderemos complementar processos presenciais com sessões virtuais síncronas, assim como com ações pedagógicas assíncronas.

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(*Texto publicado em 17 de junho de 2021)

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Saiba mais: www.asociacionmasaya.org/

 

Leia também:

Encontros de alegrias: Pontos de Cultura da Costa Rica e Brasil se reúnem em festival comunitário

 

 

 

 

Sifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La CarpioSifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La CarpioSifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La CarpioSifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La CarpioSifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La Carpio

Por IberCultura

EnEm 13, abr 2017 | Em | Por IberCultura

Sifais: um espaço de transformação social e “rebeldia construtiva” em La Carpio

Situada no cantón central de San José, no coração de Costa Rica, La Carpio é uma comunidade cercada por dois rios e organizada em nove setores. Ou em nove paradas de ônibus, já que cada parada corresponde a um setor. Na quarta parada, conhecida como a “Pequena Grande Cidade”, há um edifício de madeira laminada, diferente de todo o entorno, chamado Cuevadeluz. O imóvel de quatro pisos e 15 metros de altura, inaugurado em agosto de 2015, chama a atenção não apenas por ser imponente, mas também por ser um símbolo da grande transformação por que o bairro tem passado nos últimos anos.

O edifício Cuevadeluz (Foto: Sifais)

Nestas duas naves unidas por uma rampa e uma escada, funciona a sede do Centro de Integração e Cultura do Sifais (Sistema Integral de Formación Artística para la Inclusión Social) de La Carpio. Ali, mais de uma centena de oficinas é oferecida a crianças, jovens e adultos, por iniciativa de voluntários “que acreditam na rebeldia construtiva, na paixão e na ternura, na proatividade, na criatividade, no arrojo, no empoderamento e na transparência”, como diz o site da fundação. Um grupo cada vez maior que faz do Sifais um espaço de transformação social de mão dupla, em que se beneficiam tanto os que aprendem como os que ensinam.

As oficinas são realizadas em sua maioria aos sábados (há um e outro horário aos domingos, às sextas e segundas-feiras), já que durante a semana o espaço funciona como colégio, ensino fundamental e médio, das 13h às 17h. Em 2017, em matéria de música, a organização oferece classes de solfejo, violões, sopros (clarinete, flauta transversal, saxofone, trombone), cordas (contrabaixo, viola, violino, baixo elétrico), percussão, bateria e teclado.

Além disso, há cursos de arte (desenho e introdução à arte), dança (balé, hip hop e folclore costa-riquenho), educativos (leitura e escrita, inglês, francês, japonês, português, russo, tutorias de naturalização, tutorias de ensino médio), técnicos (tecido, penteados, computador) e esportivos (condicionamento físico, artes marciais, atletismo, boxe, capoeira, judô, karatê e yoga).

O começo

La Carpio tem uma extensão de 23 quilômetros quadrados e conta com uma única via de acesso, uma rua estreita para entrada e saída dos carros. São 23 mil habitantes, segundo o último censo, mas acredita-se que passam dos 30 mil, somando-se os que estão em situação irregular. Desse total, estima-se que 50% são costa-riquenhos e 49% nicaraguenses – o 1% restante seria de salvadorenhos, guatemaltecos, árabes e chineses.

Esta comunidade binacional, que completa 20 anos em 2017, teve seu primeiro espaço de lazer inaugurado em dezembro de 2015: o parque recreativo “Criando um Melhor Futuro”. A estrutura, localizada em um terreno de 750 metros quadrados, contempla áreas de jogos para crianças, anfiteatro, quadras multiuso e um lugar de exercício para adultos. Nunca havia existido ali nada parecido. A primeira semana do parque foi de filas e filas de meninos e meninas.

Uma visita ao parque “Criando um Melhor Futuro”

Northellen: “Tem sido difícil, mas não impossível”

Em junho de 2016, após a 4ª reunião do Conselho Intergovernamental de IberCultura Viva, foi realizado uma visita à comunidade, começando pelo parque. Ali a presidenta da Associação Comunal de La Carpio (Asocodeca), Northellen Jiménez, contou aos visitantes um pouco da história do lugar, que começou em 1997 como uma invasão de 25 familias e hoje em dia conta com 5.800, sendo considerado o maior assentamento de migrantes da América Central.  

“Foi muito difícil no início. Não tínhamos luz, as ruas eram só barro, mas graças à grande necessidade de habitação, de oportunidades, seguimos”, comentou Northellen. “Tem sido difícil, mas não impossível. Conseguimos tudo o que temos graças ao apoio comunitário, e muito também às líderes mulheres. Graças à coordenação comunal conseguimos fazer as ruas. Todas essas intervenções que o governo devia fazer, nós, carpianos, fizemos com as mãos, em união”.

A parceria

Quem deu início ao projeto de Sifais foi a líder de uma das associações de desenvolvimento de La Carpio – Alicia Avilés, uma nicaragüense que emigrou para a Costa Rica nos anos 90 com a família em busca de uma vida melhor. Nascida em Manágua, mãe de cinco filhos, Alicia era professora primária em Nicarágua e teve que ir embora de seu país pelo tema político, como os milhares de conterrâneos que fugiram da miséria posterior à guerra dos anos 80 e vieram melhores oportunidades no país vizinho ao sul. Na Costa Rica, ela começou a trabalhar em casas como doméstica, e assim conhecer aquela que seria uma grande aliada em seus sonhos improváveis: Maris Stella Fernández.

Karina Hernandez

A parceria entre as duas começou quando Alicia buscava patrocínio para os uniformes de uma equipe de futebol que estavam montando na comunidade, até então muito marcada pela violência. “A equipe sempre perdia. Porque eram de La Carpio ninguém queria arbitrar as partidas, tinham medo de que fossem armar alguma briga”, conta a produtora artística e socióloga Karina Hernández, ex-diretora de projetos e voluntários de Sifais. Com a ajuda de Maris Stella – que era proprietária da empresa Eureka Comunicación e hoje também atende como presidenta da fundação Sifais – eles conseguiram a doação dos uniformes e as coisas melhoraram um pouco.  “No final um árbitro acreditou na equipe e desde então eles ganharam muitos campeonatos”, afirma Karina.

Algumas das crianças, no entanto, não gostavam de futebol. Ao ver que continuavam nas esquinas, Alicia se aproximou: “Vocês me dizem o que é que querem e eu trago”. Um garoto lhe disse que gostaria de aprender a tocar violão. Outro, com a mesma confiança, contou que queria estar numa orquestra sinfônica. Alicia, então, decidiu falar com Maris Stella sobre a ideia. Alguns meses depois, lá estava Maris Stella na comunidade: “Vão dizer que estamos loucas… Uma orquestra sinfônica em um lugar tão precário?”

Maris Stella Fernández e Alicia Avilés fundaram o Sifais em 2011 (foto: Sifais)

A música

Convencida de que a música poderia ajudar a reconstruir a comunidade e eliminar alguns dos estigmas, Alicia pediu emprestado a um vizinho norte-americano o espaço que ele administrava, ainda que não estivesse nas melhores condições (o piso era de terra, eletricidade zero). Maris Stella conseguiu três voluntários (dois sobrinhos e um amigo) para ensinar alguns instrumentos para as crianças, e assim começaram as atividades, com 10 bolillos, oito violões e 20 flautas doces.

“Começamos com umas poucas aulas de música. Depois os amigos dos amigos dos sobrinhos começaram a vir, a doar mais instrumentos, começaram a chegar mais voluntários…”, comenta Karina. “Quando o pastor veio de Houston, Texas, para ver o que estava passando no salão comunal, sensibilizou-se tanto que chamou dona Maris Stella e lhe disse: ‘O que não fiz em oito anos vocês fizeram em seis meses”.

Pouco a pouco chegaram mais aliados, e um piso para que os voluntários pudessem dar as aulas em melhores condições. Fizeram um salão, um espaço de cerâmica, com paredes brancas e uns murais coloridos… E em 2014 começou a obra para construir o edifício Cuevadeluz – o nome que encontraram para substituir o anterior, o pejorativo “La Cueva del Sapo”. “Dois estudantes de arquitetura foram os criadores e doadores do desenho que deu pé a um movimento solidário entre empresas e sociedade civil que ajudou a materializar o projeto, pois no dia em que pusemos a primeira pedra não tínhamos nem um centavo”, conta Karina.

As doações

Em 16 de julho de 2014 foi colocada a primeira pedra. “No dia seguinte começamos a ligar como loucos para um monte de empresas e buscamos uma plataforma para doação de fundos. Artistas doaram concertos, empresas privadas doaram recursos… Cada andar leva o nome das empresas que se somaram à causa”, diz a produtora. O andar Fundameco, por exemplo, leva o nome da organização que trabalha com pessoas com deficiência e projetos de inclusão na comunidade.

Depois que as empresas privadas ajudaram com a infraestrutura, entrou o setor público para desenvolver programas de inclusão. Vieram então o Ministério de Cultura e Juventude, o Ministério da Educação Pública, a Universidade de Costa Rica, entre outras instituições que trabalham com a organização. Graças a estas alianças e às equipes de voluntários, Sifais conta com programas educativos, ambientais, musicais, programas de empreendimentos, de extensão e de justiça restaurativa.

(Foto: Sifais)

Entre as iniciativas conjuntas com o setor público estão uma oficina de produção têxtil, com 13 vizinhas empreendedoras, e um esquema de educação aberta para que pessoas maiores de 15 anos concluam seus estudos (ensino fundamental e médio) sem sair da sua comunidade. A organização também oferece apoio aos vizinhos estrangeiros que necessitem da cédula de residência costa-riquenha ou queiram se naturalizar.

Karina Hernández conta que muitos migrantes chegam ao país sem papéis, e se não têm passaporte ou cédula enfrentam uma série de problemas, não recebem atenção médica, etc. “As senhoras com quem trabalhamos nos dizem que quando não tinham cédula era como se não existissem, sentiam como que não pertencessem a nenhuma parte. Haviam vivido em outras províncias e percebiam um ambiente de rechaço por serem nicaraguenses. Dizem que aqui se sentem como uma “nicaraguita”, que é tudo muito similar, até o cheiro, as senhoras com as tortilhas…Aqui adquirem um sentido de pertencimento e apropriação com a comunidade”.

(Foto: Sifais)

Ponto de Cultura

Sifais foi uma das organizações ganhadoras da primeira convocatória de Pontos de Cultura de Costa Rica, lançada em 2015 pelo Ministério de Cultura e Juventude. O projeto premiado teve crianças e jovens como beneficiários diretos, por meio da promoção de oficinas de produção audiovisual, e adultos integrantes da comissão de cultura de Quebrada Honda, que participaram das capacitações de gestão cultural.

Graças a outro fundo concursável do Ministério de Cultura e Juventude, o programa Becas Taller, nove jovens gestores culturais da comunidade desenvolveram ao longo de um ano o estudo “Heranças e Iniciativas Culturais de La Carpio”. Dayana Venegas Hernández, coordenadora do projeto, conta que a ideia foi sistematizar os projetos comunitários para que La Carpio não perdesse sua história e seu patrimônio cultural.  

Em La Carpio também se deu a primeira iniciativa de formação em animação sociocultural do país, um projeto educativo feito em conjunto com o Ministério de Cultura e Juventude e a cooperativa Viresco R.L. “A recreação para nós é superimportante. A imaginação voa, nos sentimos livres”, ressalta Luis Rivera “Wichi”, 21 anos, um dos jovens da comunidade graduados em 2016 como técnico em animação sociocultural.

Wichi apresentou o projeto “Aprenda a brincar”, voltado para recuperar jogos tradicionais como “bolero” ou “caballito” e a capacitar  jovens da região para aprender a criar jogos. “Dizem que La Carpio é uma comunidade com muita violência, marginal e todas essas coisas negativas. Creio que é porque nos falta espaço recreativo. Agora temos um parque, mas não tínhamos quadra, nada. Por isso penso que meu projeto é importante: é um espaço para criar, ver coisas saudáveis, abrir a imaginação, ser livre”.

O animador cultural Wichi (centro): “Aprenda a brincar”

Os estigmas

O reconhecimento ao trabalho ali desenvolvido já existe, e foi algo que se tem ido construindo com o tempo. “Em 2011 haviam bunkers próximos ao sítio. As crianças recebendo aulas de violino e do lado de fora se via o negócio”, afirma Karina. “Com o passar do tempo eles viam que chegávamos, que chegavam os voluntários, e eles mesmos foram indo para outros lugares, outras zonas, e isso se limpou de uma maneira… Hoje, ao redor do edifício vivem famílias em condição de pobreza. Antes havia gangues, a Cueva del Sapo era um dos lugares mais perigosos da região.”

Nestes seis anos do projeto, os estigmas e estereótipos causaram problemas, sim. Em 2012, por exemplo, a organização contava com uns 25 voluntários e uma revista publicou que as gangues haviam se apropriado de La Carpio. “As pessoas se assustaram e na semana seguinte não chegou nenhum voluntário, ninguém queria vir aqui. Tivemos que começar de zero”, recorda a produtora, ressaltando que em 2016, na mesma data, saiu na capa da publicação uma notícia sobre os garotos de La Carpio tocando no Teatro Nacional. “Chorávamos de felicidade. Até hoje me emociono com esta mudança de paradigma.”

“Sifais, e as distintas iniciativas de la Carpio, são modelo no país que se expande e projeta a outras nações”, comenta Karina. É o reflexo do trabalho, do amor, da paixão pela arte e pela cultura de irmãos e irmãs centro-americanas.”

 

(*Texto publicado em 13 de abril de 2017)

 

Saiba mais:

https://www.sifais.org/

ASOCARTE: um espaço de encontro, intercâmbio e aprendizagem ao redor do mágico mundo do circoASOCARTE: um espaço de encontro, intercâmbio e aprendizagem ao redor do mágico mundo do circoASOCARTE: um espaço de encontro, intercâmbio e aprendizagem ao redor do mágico mundo do circo

Por IberCultura

EnEm 15, abr 2016 | Em | Por IberCultura

ASOCARTE: um espaço de encontro, intercâmbio e aprendizagem ao redor do mágico mundo do circo

Um grande encontro de artistas do mundo do circo será realizado em San José, Costa Rica, de 6 a 8 de maio de 2016. Organizado pelo terceiro ano consecutivo, o Encontro Nacional de Arte e Circo (ENAC) é uma das principais ações da Asociación Cultural Arte y Circo (ASOCARTE), que há sete anos busca promover a organização do movimento artístico e circense, enriquecendo a cultura popular e afirmando os direitos sociais dos artistas.

asocarte-logoA Asociación Cultural Arte y Circo se constituiu legalmente em 2009, por iniciativa de diferentes artistas de circo nacionais e internacionais (muitos deles já vivem de maneira permanente no país), com a missão de “ser um ente que unifique, promova e fortaleça a identidade e profissionalização da arte e do circo, para contribuir com o desenvolvimento cultural de Costa Rica e da região”.

Entre seus objetivos estão o fortalecimento das artes circenses e afins por meio do intercâmbio e da capacitação de artistas e organizações nacionais e internacionais; a defesa da condição profissional do artista circense; a tomada de espaços não convencionais para fins artísticos e a utilização do circo como ferramenta de desenvolvimento sociocultural, através de oficinas, projetos, festivais, pesquisa e outros.

I ENAC 2014.1

Fundo Pontos de Cultura

A realização da terceira edição do Encontro Nacional de Arte e Circo ganhou o apoio do fundo Pontos de Cultura em 2015 na categoria “Fortalecimento da autonomia, sustentabilidade, capacidade de gestão, incidência e relações intersetoriais das iniciativas socioculturais organizadas”. Nas duas edições anteriores eles contaram com o apoio do Ministério da Cultura e Juventude, de governos locais, instituições públicas e organizações comunitárias.

asocarte-logo-enacA primeira edição do ENAC foi realizada em 2014, no Ginásio Municipal de Ciudad Colón, no cantón de Mora. A segunda, em 2015, no Ginásio de Turrujal de Acosta. A terceira será no Parque del Este, em San Rafael de Montes de Oca, San José. São esperadas umas 200 pessoas, entre artistas e interessados em arte e circo. As duas primeiras edições receberam participantes provenientes de países como Guatemala, Chile, Argentina, Uruguai, Espanha e Estados Unidos.

“Pela primeira vez se realizará o encontro em uma lona de circo e se contará com a estrutura de um trapézio (petit volant)”, conta Silvia Pereira, assistente social que faz parte da equipe de trabalho da Asocarte. “Esperamos que esta edição seja um grande espaço de encontro, intercâmbio e aprendizagem para todos os participantes (oficineiros, artistas, equipe de produção, comunidade, público em geral) ao redor do mágico mundo do circo.”

Antes, durante e depois

II ENAC 15.22Na verdade, são três os momentos planejados para o III ENAC: o festival propriamente dito (de 6 a 8 de maio), o antes e o depois. As atividades “rumo ao ENAC” incluem conversação sobre o livro El Circo en Costa Rica, oficina de formulação de projetos sociais e apresentação artística em um centro educativo. As atividades posteriores ao ENAC estão vinculadas com o livro El Circo en Costa Rica e à reflexão acerca da apropriação dos espaços públicos.

Durante o encontro haverá diversas oficinas de todas as áreas do circo, para todos os níveis e idades, além da apresentação de espetáculos em três modalidades: trabalhos em progresso (em construção e experimentação); noite de gala (obras com percurso e experiência cênica) e show de variedades familiar (aberto para a comunidade no encerramento do evento).

O objetivo, segundo os organizadores, é “propiciar o desenvolvimento e a profissionalização das artes circenses na Costa Rica através do intercâmbio dinâmico entre artistas nacionais e internacionais, para ampliar os conhecimentos e métodos de aprendizagem, a criação dos e das artistas e a geração de iniciativas de cooperação”.

Outras atividades

Além do ENAC, a ASOCARTE desenvolve outras atividades para promover as artes circenses no país, como o Ciclo de Formação para o Setor Circense, financiado pelo Programa Nacional para o Desenvolvimento das Artes Cênicas (ProARTES) do Teatro Mélico Salazar e Ministério da Cultura e Juventude.

I ENAC 2014.3El Circo en Costa Rica, primeiro livro sobre a história do circo no país, foi outro projeto beneficiado pelo ProARTES. A primeira fase da pesquisa “El Circo en Costa Rica: Compilación para una Memoria” foi feita de janeiro a dezembro de 2012. A segunda, de janeiro a dezembro de 2013, seguiu por conta das pesquisadoras Pilar Ho e Kelcey Johnson. Em fevereiro de 2015, eles ganharam uma bolsa do Colégio de Costa Rica para editar e publicar o livro, e o lançaram em dezembro de 2015.

A associação também deseja reativar no segundo semestre de 2016 o projeto “Arte con Vía”, formulado em novembro de 2011. A ideia é habilitar espaços públicos com espetáculos circenses e artes afins, por meio de uma permissão outorgada pela Prefeitura de San José, e fazer um cronograma itinerante para percorrer diferentes comunidades do país.

Os resultados do trabalho   

Os esforços têm valido a pena, segundo Silvia Pereira. “Sim, porque estamos fazendo o encontro pela terceira vez consecutiva e foram geradas diversas articulações e alianças, com instituições públicas, governos locais, organizações comunitárias, artistas independentes, coletivos/agrupações e empresas de circo existentes no país”, afirma.

“E estão sendo criados novos espaços de encontro (a quantidade de pessoas que participaram das duas edições anteriores foi boa, se levarmos em conta que na Costa Rica nunca havia sido realizado este tipo de evento), são acessíveis para todas as pessoas, e há um grande profissionalismo de parte dos e das artistas, das pessoas que facilitam as oficinas, assim como da equipe produtora.”

Saiba mais: Facebook ASOCARTE

Rede de Mulheres Rurais: as histórias de Claudia Rodríguez e Esperanza JuradoRede de Mulheres Rurais: as histórias de Claudia Rodríguez e Esperanza Jurado

Por IberCultura

EnEm 21, mar 2016 | Em | Por IberCultura

Rede de Mulheres Rurais: as histórias de Claudia Rodríguez e Esperanza Jurado

A história de Claudia

claudia-rodriguezClaudia Rodriguez sorri ao mostrar a plantação de seu sítio à equipe do documentário Salir a volar. “Isso é produto do trabalho, como não vamos trabalhar felizes?”, diz, satisfeita, a integrante da Rede de Mulheres Rurais de Costa Rica. “Gosto muito de trabalhar com sementes, valorizar a semente nativa, ter os gastos da casa frescos, não contaminados. Porque uma mulher é como uma formiguinha, faz tudo para a casa, para os filhos. E isso tem me ajudado como terapia e economicamente. Quando há produção extra, presenteio os meus vizinhos. Trocamos sementes aqui, isso é o mais lindo.”

Para ela, trocar as sementes nativas, lutar pelas sementes, ver como é precioso deitar tranquilo e sem barulhos, tudo isso faz parte do aprendizado que veio com a rede. “O problema que veio depois foi a contaminação. Nas plantações de abacaxi, pagam às pessoas para que usem venenos. As multinacionais são culpadas de todo esse dano que temos. Os que vivem aqui sabem, mas têm que ganhar algo para poder comer. Aqui não há trabalho, esse é o único que há, ou nas bananeiras ou nos abacaxizais, trabalho de fome, mal pago. Com o rio contaminado vêm o câncer, gastrite, alergias… Às vezes começo a meditar: que tristeza, por que o homem está estragando, está contaminando?”

Filha de uma dona de casa – que costumava ficar na cozinha enquanto os filhos e o marido iam colher café, cortar o arroz ou moer a cana –, Claudia se acostumou a levantar às duas da manhã. Não havia luz elétrica em sua casa, nunca houve. “Ser uma mulher camponesa tem me deixado muito orgulhosa”, afirma. “Sei as mudanças da lua, em que tempo semear a mandioca, em que tempo semear os feijões. Aprendemos isso com nossos avós e as experiências que vamos tendo, sem necessidade de ir a uma escola. (…) Na rede todos já aprenderam que aqui não se usam químicos.”

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Para que tivessem sempre algo fresco para comer, Claudia e o marido compraram um “terreninho” abandonado e pouco a pouco foram trabalhando, fazendo o sítio. “Já estamos aqui há 20 anos”, conta. “É uma bênção para nós, porque se quero comer uma banana eu venho e corto, se quero pegar um limão eu venho correndo e pego. Não tenho que comprá-los nem comprar as coisas já secas. Daqui tiramos toda a soberania alimentar.”

Estaria tudo muito bem não fosse a questão das multinacionais, que usaram agrotóxicos nas plantações de abacaxis. Por isso Claudia e seus vizinhos não têm água potável. Dependem da água que chega num tanque, em um caminhão, para beber ou cozinhar.  Segundo ela, anos atrás o povo se uniu e começou a trabalhar para que tivesse um pouco da água potável. “Porque sempre houve poços artesanais, e as pessoas lutaram e pediram ajuda às organizações, às universidades, para ter essa  fonte de água. Era muito boa, mas infelizmente as multinacionais a contaminaram. E de tal maneira que agora tem um grau muito alto de 22 químicos.”

O que fazer? “Seguir. Nós temos que seguir. Talvez me detenham, mas eu sigo, não me importa que me denunciem, que digam que sou preguiçosa, o que for. Luto por algo muito valioso e que vai ficar para meus netos e meus familiares. Eles é que talvez vão desfrutar do esforço que estou fazendo agora.”

A história de Esperanza

Esperanza Jurado Mendoza vem de Rey Curré, mas se diz 100% ngäbe (povo originário de Panamá e Costa Rica). “Gosto de trabalhar, de participar. O que mais me encanta é cuidar dos recursos naturais, do que nosso pai e nossa mãe terra nos deixou para que cuidemos. Por muito tempo em minha juventude eu pensava ‘por que não há gente que fale’?”

Esperanza fala. Alegra-se ao ver que a equipe do documentário Salir a volar tenha ido tão longe para escutá-la. Quando o vídeo começa, ela está no hospital, em uma cadeira de rodas. Conta que foi difícil chegar, que foi escalando de hospital em hospital.  No primeiro – onde esteve um mês em 2010 – deixaram-na em um quarto isolado, “sem nenhum tratamento, sem nenhum medicamento, sem que nenhuma enfermeira viesse”. Um dia chegou o doutor e lhe disse que estava morrendo. E mandaram-na para outro hospital.

“Em Pérez Zeledón fizeram o mesmo, me meteram num quarto sozinha, onde ninguém ia me ver. Depois de um mês me passaram para San José, me meteram num banheiro cheio de lixo e um senhor me disse: senhora, não tem por que sair daí, você vai contaminar todo mundo. Oito dias e nenhum tratamento. Ainda que estivesse morrendo, estava firme. (…) Depois que liguei para o Instituto Interamericano de Direitos Humanos eles passaram a me atender bem, a me olhar como tinha que ser. E agora sou capaz de fazer tudo isso.”

casa-de-esperanzaA casa de Esperanza fica em Lagarto, a 15 minutos da rua, cruzando o rio. “Este é o meu palácio”, diz à equipe que chega para gravar o “barraco” para onde havia se mudado recentemente. “Sempre sonhei ter uma casa cheia dessa palma, mas não houve mão que fizesse. Então vivo com a asa de zopilote (ave de plumagem negra), vai  chegar a uma casa. Essa é a nossa lei, de viver assim como você vê, a cama sem parede, respirando o ar livre, puro.”

Ela conta que depois de fazer o curso do Icer (Instituto Costarricense de Enseñanza Radiofónica) passou a andar com uma câmera e um gravador. Por mais de seis anos andou com um minigravador perguntando às mulheres que encontrava: “Por que vive assim?”, “por que se cala?” Ela havia passado o mesmo, sofrido com isso, e havia aprendido a reclamar seus direitos.

O legado

esperanzaEsperanza aprendeu a lutar pelo direito à terra, à autonomia, com os livros, as capacitações e as reuniões da Red de Mujeres Rurales. Foi “escavando, escavando” até encontrar o terreno onde levantou seu “palácio”. “Já não tenho que pensar o dia de amanhã, se eu morrer e alguma de minhas filhas necessitar onde morar. Elas têm o direito de fazer suas casinhas. Isso foi o que sempre sonhei para meus filhos, netos e bisnetos.”

“Um dia veio uma deputada de Cartago, ela me conhecia. Veio e perguntou: ‘Dona Esperanza, você já se deu conta de que a presidenta arquivou o documento, não vai ler nada, porque estes documentos são um espinho nos seus pés?’ Dizia está bem, não vamos pedir, vamos exigir”, conta.

Em agosto de 2013, um grupo de 40 índios tomou o salão de beneméritos da Assembleia Legislativa para exigir a aprovação do Projeto de Lei de Desenvolvimento Autônomo dos Povos Indígenas de Costa Rica. Esperanza estava entre eles: “Nos tiraram de lá como se fôssemos animais, nos arrastaram, bateram, porque sempre jogam a nós, indígenas, no lixo”. O projeto de lei 14.352 leva quase 20 anos esperando por aprovação na Assembleia Legislativa.

“Os indígenas não têm que ser escravos dos brancos. Se são escravos, nunca terão casa, nunca terão onde viver. Nós temos o direito de ser livres, ser autônomos”, ensina Esperanza. “(…) Tenho lutado por todo o território indígena. Este é o meu orgulho. Minha mentalidade está voando por todo lado. Sou livre.”

(Esperanza morreu no dia 20 de outubro de 2013)

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(*Texto publicado em 17 de março de 2016)

Rede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace NavarroRede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace NavarroRede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace NavarroRede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace NavarroRede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace NavarroRede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace Navarro

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EnEm 17, mar 2016 | Em | Por IberCultura

Rede de Mulheres Rurais: as histórias de Julia Lezama e Grace Navarro

 

A história de Júlia

julia-lezamaQuando começou a assistir às reuniões da Rede de Mulheres Rurais da Costa Rica, Julia Lezama pensava que aquilo não tinha a ver com ela. Ao escutar as camponesas dizendo que não tinham acesso à terra, que os homens batiam nelas, que não as deixavam sair, perguntava-se: “O que estou fazendo aqui?” Não se via naquele papel. Saía, vinha e voltava e, ainda que não gostasse, sempre ia. Na metade do curso, entretanto, começou a ver que era sim uma daquelas mulheres.

“Comecei a entender que ainda não era livre para decidir minhas próprias coisas, me tiravam as coisas que eu queria e eu não havia notado”, conta a camponesa à equipe do documentário Nos va a salir el sol: la historia de Julia y Grace (Canal UCR).

“Comecei a ver que chegava em casa cansada e tinha que arrumar, lavar, fazer a comida e dizer a alguém de minha família, ‘me faz o favor de ver o arroz?’ Ora, por que tinha que pedir um favor a alguém de minha família que vai desfrutar do jantar? Quando entendi isso, vi que ainda não era livre.”

red-mujeres-dibujosNascida em Puntarenas, Julia Lezama começou a trabalhar aos 13 anos. Trabalhava em um plantação de bananas onde aplicavam Nemagón, pesticida usado entre os anos 1967 e 1979 e que afetou muita gente em Costa Rica. Aos 17 anos, Julia teve problemas pulmonares; aos 37, tuberculose, e no fim foram tantas sequelas que acabou recebendo uma indenização da empresa.

Hoje em dia, Julia vive em um pequeno sítio onde cria galinhas, planta legumes, frutas e verduras. Toda sua produção é ecológica. “Ainda pequena aprendi a ganhar a vida. Não morri de fome, pelo menos comida eu tenho”, diz.“Se nos dão a terra, podemos semear o que comemos.”

E a mulher sempre pensa na família, ela reforça. “Se as minhas galinhas põem, estou pensando nos ovos que vou consumir em casa. Se me sobram, vendo, mas primeiro é para o meu consumo. Já os homens, não. O que lhes interessa é a grana no bolso”, compara Julia, mostrando sua plantação variada e apontando para a plantação do marido (só há mandioca ali, e é tratada com agroquímicos).

Da maneira que as coisas vão, Julia teme que a Costa Rica um dia tenha que importar da China, da Europa, o arroz, os feijões… tudo. “Não sabemos o que estamos comendo, de onde vem nada. Estamos perdendo nossa cultura, nossas sementes, nossos valores”, reclama. “Por isso me sinto orgulhosa de ser camponesa. Sei o que como: posso semear, colher e levar para a minha mesa o que como.”

Como disse em seu discurso no Fórum pela Terra e as Sementes, no território indígena Terraba, em 2013: “Com estas lutas reunimos mais mulheres. Assim, tomamos consciência de que juntas podemos lutar pelas coisas que estamos defendendo. Sabemos que o governo nos bombardeia com suas políticas, mas nós, como mulheres, estamos em defesa da água, da terra, das sementes e da saúde”.

A história de Grace

Grace Navarro Pérez é uma das duas mulheres de Pérez de Zeledón (San José, Costa Rica) que ganham a vida dirigindo um táxi. No documentário Nos va a salir el sol: la historia de Julia y Grace, ela conta que nunca se imaginou taxista. Um tio tinha um táxi e um dia lhe perguntou: “Não quer trabalhar comigo?” E ela sem pensar disse sim. Faz seis anos que leva as pessoas de um lado para outro da cidade.

“Me encanta ser taxista”, garante. “Foi difícil, não aceitavam. Os taxistas tinham ciúmes, eu não pertencia ao grêmio. E com os clientes era complicado também, tomavam o táxi seguinte, diziam que mulher dirige mal… Depois, foram me conhecendo e se aproximando. Bom, estou aqui, mas sou do campo, da terra. Venho, trabalho, desfruto, mas sou do campo.”

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Filha única de uma familia camponesa de Mollejones (um povoado do distrito de Platanares, cantón de Pérez Zeledón, provincia de San José), Grace ainda se lembra do que diziam aos 3 anos de idade: “Muher que não sabe moer não é mulher”. Ainda era muito menina quando a avô lhe ensinou a fazer tortilha de milho e a ordenhar (“para ser uma grande mulher”), a limpar a casa, a semear, a colher. “Desde pequena me ensinaram que tinha que trabalhar, que tinha que colaborar com a casa.”

Grace conta que antes de participar da Rede de Mulheres Rurais “era muito tranquila, não sabia nada, não tinha ideia do que se passava, era como se estivesse adormecida”. Depois da organização, sua forma de pensar e de se expressar mudou muito. “Antes fazia comentários um pouco machistas ou discriminando algumas pessoas. Hoje, vejo que todas somos iguais. Na rede compartilhamos com tantas companheiras… Umas são do norte, outras do sul, outras indígenas, e aprendemos a nos ver como companheiras. Sabemos que não há como discriminar ninguém por ser desta cor ou deste lugar ou coisas assim.”

red-mujeres-dibujo5Seu desejo é que outras também se deem conta de que há problemas e que todas se vejam afetadas quando a água está contaminada, quando estão patenteando as sementes, quando estão vendendo a terra a multinacionais. “Apostamos nisso: que as mulheres despertem, queiram conhecer, digam o que estão pensando e defendam seus direitos”, ressalta.

“Minha luta sempre foi a soberania alimentar, mas também o empoderamento das mulheres. Sinto que desde pequena eu penso nisso, porque sempre lutava contra a ideia de que filha única era aquela que nunca saía, que não fazia nada, que estava sempre com a babá. Agora que participo da rede, a luta pelo empoderamento não é tanto pelo fato de que um homem as deixe sair ou não ou que dependam de alguém para ir e vir, e sim que tomem suas próprias decisões sobre o que querem comer, o que querem dizer, como falar, o que fazer. Que ninguém tenha que dizer por elas, que elas mesmas decidam.”

Grace diz que se sente orgulhosa, feliz de ter sua terra. “Sei que estamos cuidando, que estamos aproveitando”, comenta. “Estar na rede foi uma maneira de me empoderar mais, saber que não é por estar com um homem que vou ser feliz. Não me preocupa que aos 30 anos eu não esteja casada ou não tenha filhos. Posso decidir se quero casar, se quero ter alguém ou se quero ter filhos. Não dependo do que diz a sociedade. ‘Com 30 anos e não tem um filho? Corra para tê-lo!’ Hoje eu digo: Não há ninguém que possa decidir por mim.”

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(*Texto publicado em 17 de março de 2016)

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EnEm 17, mar 2016 | Em | Por IberCultura

Red de Mujeres Rurales de Costa Rica: semeando autonomia e luta

 

 

aida alavarado - red CRContribuímos para a economia do país com nosso trabalho, que é invisibilizado. Trabalhamos muito. Somos as primeiras que levantamos e as últimas a nos deitar. Produzimos mão de obra, cuidamos de todos e ninguém cuida de nós. (…) A rede tem servido para mostrar que temos diferentes lutas, mas vivemos a mesma situação de injustiça e nos apoiamos mutuamente.” (Aída Alavarado)

claudia-rodriguez-3Mulheres rurais é um tema muito grande para nós, porque nos tem ajudado a nos desenvolver, a lutar e a defender nossos direitos. Isso tem sido para nós melhor que uma universidade.” (Claudia Rodríguez)

 

 

yenory-rodriguezA autonomia me encantou porque entendi que tenho direito a que respeitem o que penso e como sou, como me visto, como me penteio. Essa é a minha soberania, saber que sou original, que não tenho cópia. Me encantei também com a soberania alimentar, porque nos ensinam como levar uma  alimentação saudável a nossas mesas, semear o que podemos levar para casa.”  (Yenory Rodríguez)

 

julia (2)Queremos ter a autonomia de produzir, de semear o que queremos e comer o que semeamos. Queremos o direito à saúde, à terra, à água limpa e boa, a querer ter a autonomia desta decisão.” (Julia Lezama)

 

 

roxana-figueroa2“É uma maneira de sermos livres, de poder nos expressar, nos relacionar no território com diferentes pessoas, compartilhar, aprender umas com as outras. Ainda que não sejam indígenas como eu, compartilhamos trabalhos e inquietudes, os problemas delas são parecidos com os da minha comunidade, com o que se passa no dia a dia.” (Roxana Figueroa)

grace-2 (2)Somos mulheres do campo, mas não estamos escondidas. Temos saído, temos nos empoderado, estamos despertas. Estamos defendendo a terra, a água, as sementes, dizendo o que estamos vivendo, o que há em nossas comunidades. Temos nos empoderado para que nos escutem.” (Grace Navarro)

 

Grace, Aída, Yenory, Claudia, Julia e Roxana seguiram por caminhos distintos para chegar aonde chegaram. E ainda que suas histórias de vida sejam diferentes umas das outras, que uma venha do sul, outra do norte, uma seja loura, outra indígena, uma jovem, outra mais velha, seus problemas são parecidos e suas lutas também. Todas são mulheres do campo que lutam pelo direito à terra, pelas sementes nativas, pelo direito a decidir o que produzem, a semear o que querem, a comer o que colhem. Descobriram isso num mesmo lugar: na Rede de Mulheres Rurais de Costa Rica.

red-mujeres-5A rede, que em 2016 completa 10 anos, é um espaço organizativo que articula mulheres camponesas e indígenas costarricenses em defesa de seus interesses e direitos (a ser, a ter e a decidir). Autonomia e soberania alimentar são dois temas prioritários. E autonomia é aqui entendida de maneira ampla: sobre suas vidas, seus corpos, seus fazeres, seus recursos, suas decisões. Em sua defesa da água, da terra, das sementes e  da saúde, essas mulheres que estavam “adormecidas” e hoje se dizem despertas querem que todos se deem conta de que elas existem, que suas decisões merecem respeito. E que ninguém decida por elas.

Como afirma Aída Alavarado em seu discurso durante o Foro de Mulheres Rurais em 2013: “Na rede avançamos em nosso empoderamento, no conhecimento de nossos direitos. (…) Temos o direito de semear o que queremos para ter soberania alimentar. Unidas somos mais fortes contra as instituições que negam os nossos direitos, porque as políticas são machistas e querem que nos conformemos, que estejamos caladas.”

 

A rede está composta tanto por mulheres maduras como jovens que começam a identificar seu direito a ser camponesas. Há mulheres migrantes, como as da zona norte, e mulheres que seguem nos espaços onde estiveram seus avós, como as de Pérez Zeledón. E é grande a presença de mulheres indígenas na organização.

Segundo Aída Alavarado, na rede se defende a autonomia dos povos e territórios indígenas porque eles defendem a terra, querem decidir sobre a natureza, sobre todos os recursos que têm. “Porque cuidam deles, defendem. Defendem também seus conhecimentos, querem governar a si mesmos e resgatar os recursos que lhes tiraram. A população indígena luta porque vive marginalizada. Muitos de nós crescemos ouvindo que os indígenas são preguiçosos, que não trabalham a terra. Como se trabalhar fosse devastar as montanhas, contaminar e destruir a diversidade”, comenta.

 

 

Os encontros

Para alcançar um de seus objetivos – educar e conscientizar sobre a importância da alimentação saudável –, integrantes da rede visitam escolas e levam a mensagem a meninos e meninas e seus pais com atividades recreativas. Também contam com um boletim de notícias, produzem material audiovisual, promovem feiras, foros e uma série de reuniões nas comunidades. O projeto “Direito à comunicação, e pela defesa dos direitos à cultura camponesa: Boletim Las despiertas” foi um dos 21 selecionados no fundo Puntos de Cultura para o período 2015-2016.

red-mujeres-6Todos os anos, em 15 de outubro, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres Rurais é realizado o encontro da rede, com uma centena de participantes de zonas camponesas e territórios indígenas de Costa Rica. Em 2015, o Foro “Direitos das mulheres do campo, a ser, a ter e a decidir” instalou na Universidade de Costa Rica cinco mesas de trabalho temáticas: “Direito a ser mulheres camponesas e indígenas”; “Direito das mulheres do campo à terra”; “Direito humano à água”; “Direitos dos povos indígenas ao território” e “Direito das mulheres do campo a produzir”.

Tais mesas trouxeram reflexões do tipo “Como, de onde e quem violentam nossos direitos a ser o que queremos ser, e por que sucede isso?”, “Como através de meu corpo posso exercer meu direito a ser?” “Como se violenta o direito à terra?” “Por que a água é escassa na minha comunidade?” “Como se violenta e como se garante o direito dos povos indígenas ao território?”

Roxana Figueroa, por exemplo, conta que ainda era uma menina quando teve que sair de Salitre, seu território, com os irmãos e a mãe. “Crescemos em Buenos Aires (um “cantón” da província de Puntarenas) ignorando os direitos, os benefícios que temos como indígenas, porque lá não se fala dos indígenas, só para uma burla ou para algum comentário ruim. E ali nós crescemos, ignorando e vivendo longe de tudo que na verdade nos identificava. Mas de novo viemos e digo a minha família que chegar a Salitre foi como se a terra mesmo nos chamasse, que éramos daqui, parte deste território e que neste momento podíamos fazer algo, que tínhamos que vir.”

Para Alejandra Bonilla Leyva, integrante do Colectivo Tinamaste, que apoia o processo da rede, as mulheres da rede sofrem uma tripla discriminação por ser mulheres, pobres e estar no campo. “As mulheres seguem sendo vistas como objetos, não como sujeitas que decidem sobre sua vida, seus fazeres, não têm controle dos recursos. Seguem sendo as que aportam muitíssimo trabalho, contribuem para esta economia de maneira contundente, produzem muitíssimos bens e serviços, sustentam a vida, mas não são reconhecidas”, ressalta.

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Grace Navarro Pérez – que há seis anos ganha a vida como taxista em Pérez Zeledón mas sempre viveu no campo – conta que antes da rede sua vida era “normal”, algo como “sou camponesa e é isso, sou camponesa”. Depois do processo de formação, no entando, aumentou o amor pela terra. “Como se fosse uma mãe, como dizem nossos irmãos indígenas, cuido, não aplico venenos, coisas que vão intoxicá-la. Temos tomado mais amor pela terra.”

mercedez-oliveira-antropologa-chiapasA antropóloga mexicana Mercedes Olivera, que participou de um dos últimos foros, gostou de encontrar uma rede que funciona de verdade. “Elas realmente estão articuladas em um projeto em torno à recuperação da sustentabilidade. Para mim, foi um aprendizado muito grande, porque construído a partir de uma prática cotidiana. Me pareceu um caminho muito positivo, de baixo para cima, e a partir da prática, que é a sustentabilidade.”

 

(*Texto publicado em 17 de março de 2016)

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EnEm 09, out 2015 | Em | Por IberCultura

Associação para a Cultura de Liberia: respeito ao patrimônio e às tradições

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O Tope de Toros é uma das tradições mais antigas de Liberia, na Costa Rica

Todos os anos, nas festas cívicas de fevereiro, a cena se repete: ao soar as “bombetas” (som de pólvora) do meio-dia, centenas de pessoas saem às ruas ao ritmo da música típica e do baile dos palhaços a tocar o gado manso em um percurso de aproximadamente 2km, desde a Puente Real até a Plaza de Toros, na cidade de Liberia (Guanacaste, Costa Rica).

O Tope de Toros, umas das tradições mais antigas da Liberia, povoado costa-riquenho de más de 80 mil habitantes, foi declarado patrimônio cultural imaterial em fevereiro de 2013. Suas origens, no entanto, remontam aos anos 1800, às fazendas de gado que deram lugar à capital da província de Guanacaste.

O desfile de cavaleiros, músicos e mascarados faz parte da cultura viva dos liberianos, ainda que tenha passado por mudanças ao longo do tempo, como o arreio de animais mansos no lugar dos originalmente bravos, e o percurso da banda musical feito em carro, em vez de a pé.

Para proteger esse patrimônio imaterial, que é sempre acompanhado de atrações musicais, festivas e gastronômicas locais, a Associação para a Cultura de Liberia recebeu uma bolsa de um fundo do Ministério da Cultura e Juventude da Costa Rica.  O principal objetivo era unificar critérios e estabelecer as linhas de ação para salvaguardar a tradição de Tope de Toros de Liberia, la cual es única en el país.

Preservação e identidade

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O cavaleiro e a mascarada em desfile da festa cívica

A Associação para a Cultura de Liberia foi criada em 13 de junho de 1986, “devido ao rápido avanço da demolição de casas de adobe e bareque próprias da cidade”, como explica Nuria Cuadra, presidente da organização.

A instituição é uma organização independente sem fins lucrativos, fundada por 20 pessoas da comunidade preocupadas com a demolição de edifícios de grande significado cultural para os moradores de Liberia. A associação promove atividades de gestão, coordenação e trabalho voluntário em prol do patrimônio e da identidade cultural.

Entre os principais objetivos da instituição estão o fortalecimento da identidade mediante a preservação da história, dos costumes, do conhecimento, dos ideais e do entorno de Liberia; a promoção do estudo e o resgate dos valores cívicos e do patrimônio cultural; e o apoio às ações de grupos que busquem o desenvolvimento cultural e social da cidade.

“Desde o início tentamos nos vincular ao público com o ‘espírito valente’ da conservação, desenhando as semanas culturais por ocasião do nascimento do povoado de Guanacaste, hoje Liberia, em 4 de setembro de cada ano. Até agora foram 29 semanas culturais realizadas”, conta Nuria.

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Os palhaços na rua perto da ponte, em 1962

Das semanas culturais nasceram, por ejemplo, a restauração e fundação da Casa da Cultura, a restauração das “Casas de las Luisas”, e a restauração e fundação do Museu da Ermite da Agonia.

Em parceria com o poeta Miguel Fajardo Korea, a associação também tem publicado a obra musical e literária de autores guanacastecos, como Héctor Zúñiga Rovira, Sacramento Villegas, Medardo Guido, Jesus Bonilla e Lia Bonilla.

 

Arquitetura e identidade

Além do Tope de Toros, a Associação para a Cultura de Liberia trabalha com propostas como a consolidação do centro histórico da cidade (“para defender a pouca arquitetura de terra de Liberia”, de acordo com Nuria), a declaração da tradição ¨La pasada del niño” como patrimônio imaterial, e em uma proposta denominada “Fazendo Identidade” dentro do programa Pontos de Cultura do Ministério da Cultura e Juventude.

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Ponte Real: 100 anos de história

Segundo Nuria Cuadra, os projetos de recuperação patrimonial arquitetônica tiveram alguma resistência da comunidade, mas no final isso se resolveu. “A cruzada pela restauração da Puente Real, quando ela completou 100 anos de construída, por exemplo. Os vizinhos mais próximos se opunham, obviamente, por causa do incômodo da passagem por uma ponte velha. Mas o Ministério da Cultura nos apoiou e, no fim, a ponte foi conservada.”

É aí, na Ponte Real, declarada patrimônio nacional, onde se realiza o Tope de Toros. Justamente aí, na entrada da antiga cidade, se encontram os cavaleiros, as mascaradas (ou palhaços), os músicos e os touros que serão montados na praça. Eles são elementos centrais da grande festa cívica que, ano após ano, faz os liberianos  irem às ruas e parques para festejar o arreio de touros.

Assim como os cavaleiros luzem com orgulho seus apeiros, sua indumentária, o público que assiste à festa costuma usar a mesma vestimenta dos que desfilam. Os homens saem às ruas de calça cáqui e camisa branca, e as mulheres, com alguma roupa de trabalho ou o tradicional traje de gala guanacasteco. Prontos para bailar com os palhaços e acompanhar o gado manso até o ponto final.

(*Texto publicado em 9 de outubro de 2015)

Saiba mais:

www.facebook.com/asociacion.culturadeliberia