Experiencias
Por IberCultura
Em20, maio 2016 | EmMéxico | PorIberCultura
Altepee: a música de cordas como ponte entre realidades comuns e miradas diversas
No princípio, o que fazia com que um grupo de jovens de Veracruz, México, se juntasse em torno de suas jaranas (instrumento de corda parecido com um violão) era a amizade e o gosto por tocar. Pouco a pouco eles foram se dando conta de que a tradição do fandango (festa que reúne músicos e sapateadores ao redor da tarima) era uma forma natural de se organizar, que os aproximava das comunidades e do conhecimento de seus avós. Nascia então o Colectivo Altepee Son.
O músico Sael Blanco, um dos fundadores, conta que a maioria dos que iniciaram o coletivo há sete anos se conheceu na universidade e por causa dos huapangos (fandangos), as festas onde tocam esta música de cordas oriunda dos povos originários. “Todos somos de comunidades do sul de nosso estado, que é rico em biodiversidade e assuntos culturais, mas também é um dos que recebem menos atenção por parte do Estado e onde há alguns anos começou a surgir uma violência perpetuada pelo crime organizado”, afirma.
Ao ver e viver tudo isso em suas comunidades, Sael e os amigos decidiram fazer algo por meio da música. “Tivemos que deixar a universidade e passamos a trabalhar com a música, que nesses momentos te cura do temor que te imobiliza. Começamos a nos dar conta de que, por medo, pouco a pouco as pessoas deixavam de falar ou de sair de suas casas, os jovens viam como melhor opção entrar para o crime organizado que para outro tipo de trabalho (também escasso)”, comenta.
Encontro de gerações
A música de cordas do sul de Veracruz, que ao longo de 300 anos vem sendo transmitida de geração em geração, tem sido uma importante ferramenta de unificação social para o Altepee, já que permite a interação entre gerações – os jovens interessados em aprender a música e os mais velhos, que vêm sabendo conservá-la, e dos quais aprendem também uma série de valores e aptidões que lhes permitem se aproximar de sua identidade, conhecê-la e defendê-la.
“Nos pareceu necessário começar a ocupar diferentes ferramentas para poder preservar esse conhecimento há muito desvalorizado e que, por nossa experiência de vida, entendíamos que nos faz falta. Assim, começamos a documentar em vídeo e áudio, o que depois serviu para que mais companheiros que chegavam às oficinas pudessem se integrar ao trabalho do coletivo”, diz Sael.
Além de contar com uma “disquera” que lhes permite gravar os músicos das comunidades, os integrantes de Altepee fazem um programa de rádio todas as quartas-feiras, oferecem uma pequena oficina de serigrafia e outra de artesanato. Também têm uma produção de jaranas, sabões artesanais, medicina natural e chocolates, vendidos em uma lojinha administrada por eles mesmos. Alguns companheiros se dedicam à agricultura. “Na realidade, a documentação é uma forma de levar a mais pessoas uma visão diferente de vida, que possa ser mais equilibrada com a natureza, entendendo que nós somos parte dela, que, como mostram nossos avós, é parte de nossa identidade.”
Construindo sonhos
No começo eram cinco pessoas. Agora são 20, com o respaldo de muitas comunidades, o que lhes permite seguir sonhando e construindo esses sonhos. “Dia a dia vamos vendo os resultados de nosso trabalho. Estamos vivos, seguimos trabalhando e nosso trabalho permite que outros possam também sonhar”, ressalta.
“E nesta ideia de sonhar e seguir fazendo, nos damos conta de que é importante cada experiência assim, pois ainda que nós e muitos mais estejamos trabalhando nessa mudança de nossas más realidades, enquanto o mundo seguir por esse caminho que leva ao abismo, a destruição, todas essas experiências de vida estão em risco. Daí a importância de se juntar, conhecer e construir em rede. Ainda que isso seja bastante difícil, ainda mais num país como o nosso, que é bastante grande em território e bem diferente.”
O movimento de CVC
Altepee é uma das 14 organizações que fazem parte da plataforma Cultura Viva Comunitária México, criada em 2015. Sael conta que no começo da história do coletivo eles fizeram uma viagem a Guatemala, onde conheceram os companheiros de Caja Lúdica. Depois, convidado para participar de um evento chamado Juntos, soube da existência do movimento de Cultura Viva Comunitária e do trabalho feito pela Red Maraca. “Me pareceu bastante boa a forma de trabalhar a rede, experiência que no México não conhecia. Me pareceu interessante a forma tão fraternal com que as organizações se vêm e o trabalho com alegria, que é algo muito importante, também compartilhado pelo coletivo”.
Segundo ele, isso trouxe o interesse para que no México se conhecesse e construísse esse espaço de diálogo e construção, não apenas com as pessoas do país, mas com todos os mesoamericanos. A primeira reunião com vistas à criação de uma rede de CVC no México se deu em fevereiro de 2014. Em outubro de 2015, depois de muita busca e diálogo, as 14 organizações finalmente criaram a plataforma Cultura Viva Comunitária México.
Em março passado, elas participaram do III Encontro de Cultura Viva Comunitária México, organizado pelo Colectivo Altepee no município de Acayucan, Veracruz. Durante cinco dias, as companheiros e os companheiros que chegaram ao encontro puderam compartilhar suas metodologias com outros coletivos e depois colocá-los em prática na comunidade, deixando várias iniciativas já em ação.
Pelas características da região e o momento político, ao coletivo parecia importante que o encontro em Acayucan se construísse com o que – e com quem – contavam. “Isso também é uma maneira de mostrar como trabalhamos, que permite nos conhecer melhor”, comenta Sael. “Para nós é muito importante que os recursos monetários não sejam uma barreira para que possamos nos juntar e nos conhecer”.
Saiba mais:
https://colectivoaltepee.blogspot.com.br
https://altepee.bandcamp.com