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26

mar
2021

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Histórias escondidas: Célio Turino lança livro sobre experiências comunitárias na América Latina

Em 26, mar 2021 | Em Notícias |

(Fotos: Mário Miranda Filho)

Uma história de abraços reais, muito reais. E de histórias imaginadas, “belissimamente imaginadas por muita gente que faz e acontece”. É assim, com histórias de encontros, que o escritor e historiador Célio Turino conta suas andanças por comunidades de 11 países no livro Por todos os caminhos – Pontos de Cultura na América Latina (Edições Sesc, 2020), lançado recentemente em novo formato. Com 380 páginas, a publicação traz uma série de relatos de coragem, alegria e destemor, de sonhos impossíveis que se fazem possíveis. Ou, como diz o autor, “histórias que vêm de longe e atravessam o tempo, histórias de bem perto, que nos foram negadas e escondidas, ou que nós mesmos escondemos de nós”.

Ex-secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, um dos idealizadores do programa Cultura Viva, lançado no Brasil em 2004, Célio Turino tem dedicado a vida a pensar e realizar políticas públicas em larga escala, atraído pelas ideias da cultura do encontro e do cultivo de sociedades e civilizações. É autor de Na trilha de Macunaíma: ócio e trabalho na cidade (Edições Sesc e Editora Senac, 2005) e Ponto de Cultura: o Brasil de baixo para cima (Anita Garibaldi, 2009), que ganhou versão em espanhol pela editora argentina RGC, Puntos de Cultura: Cultura viva en movimiento (2013). Desde 2018, cursa doutorado em diversidade e outras legitimidades pela Universidade de São Paulo (USP). Sua tese trata de temas como sabedorias ancestrais, tradição em dormência, tradição e invenção, decolonialidade e emancipação.

Para coletar as experiências que apresenta neste livro, ele passou quatro meses de 2017 viajando, visitando dezenas de comunidades na América Latina, revendo amigos, conhecendo gente, escutando histórias. Passou por México, Peru, Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, El Salvador, Honduras, Guatemala, Belize, Chile e Uruguai. Depois foram mais dois meses dedicando-se à escrita do livro, que ganhou inicialmente uma edição mais visual, como um livro de arte, com o nome de Cultura a unir os povos: a arte do encontro. “Após apresentar a proposta ao SESC, fiz uma revisão profunda e detalhada, não apenas do ponto de vista teórico e ensaístico, como também literário”, conta o autor em entrevista por e-mail ao programa IberCultura Viva.

Esta edição revista e ampliada começa com um convite às leitoras e aos leitores para que imaginem um mundo onde a potência e a criatividade das comunidades fossem valorizadas e, a partir dessas, acontecesse um programa mundial de aprendizagem-serviço para jovens, os Agentes Jovens da Comunidade, proposta que o escritor apresentou ao Papa Francisco na Academia de Ciências do Vaticano, em 2016. Na sequência, Turino desenvolve a teoria e os conceitos da cultura viva comunitária, do bem viver e da cultura do encontro. O restante do livro é dedicado à narrativa das histórias escondidas na América Latina, do México ao Chile, com uma passagem especial pela Argentina. “Na Argentina, as paralelas se encontram. Argentina são muitas e, na leitura, as pessoas compreenderão a necessidade de haver me detido mais neste grande e múltiplo país”, ele comenta. 

São muitos os movimentos que aparecem em Por todos os caminhos: entre eles, a cidade de Medellín se reinventando com iniciativas de corporações culturais como Nuestra Gente, Barrio Comparsa e Canchimalos, a Guatemala começando a mudar por meio da arte e do empenho de organizações como Caja Lúdica, a Bolívia se “descolonizando” com Compa e Wayna Tambo, o Brasil se “desescondendo” com os Pontos de Cultura… São muitas as histórias, as gentes, as rodas, os círculos, os pontos, as peñas. “São teias, caravanas, congressos. São encontros. São memórias. Histórias de feiura e histórias de beleza, histórias de um povo que vai se fazendo protagonista. São histórias de Quixotes”, define o escritor na parte final do livro, antes de dedicá-lo aos que andam por aí e não perdem a coragem.

ENTREVISTA// CÉLIO TURINO

Nos últimos 10 anos, depois do período em que passou no Ministério da Cultura, você foi convidado muitas vezes para falar da experiência brasileira dos Pontos de Cultura… Nessas andanças você aproveitou para ir colhendo material, já pensando na possibilidade de um livro? Ou as viagens para estes 11 países foram realizadas especialmente para a feitura do livro? 

Sim, foram dezenas de viagens ao longo da última década. Mais de 50 para ser preciso, tendo passado por, praticamente, todos os países da América Latina, visitando favelas e aldeias indígenas. Nessas viagens pude perceber regularidades e pontos em comum que precisam ser compreendidos em conjunto pela potência conceitual e de práxis que representam. Sou historiador e gosto mais de escutar do que falar. Porém, eu era requisitado para falar e, daí, em 2017, refiz as viagens aos lugares que considerava mais expressivos para apresentação dessa regularidade, isso sem nenhum compromisso oficial, viajando apenas para observar, escutar, anotar. O resultado está no livro e espero ter honrado cada uma das histórias reais.

Em 2016, quando esteve com o Papa Francisco no Vaticano, você chegou a comentar que ele o incentivou a escrever um livro sobre experiências similares às dos Pontos de Cultura encontradas na América Latina. E que via muito do conceito de cultura viva no que ele chamava de “cultura do encontro”… Havia até um projeto para Scholas Occurrentes, que incluía um livro e um filme, não? O livro já está aí. O filme ainda tem alguma chance de sair? 

Sim. Em 2015 tive meu primeiro encontro com o papa Francisco e entreguei um exemplar em castelhano do meu livro “Puntos de Cultura – Cultura Viva en Movimiento”, pela editora argentina RGC. Quando nos reencontramos, em 2016 , ele comentou sobre o livro, que tinha foco na experiência brasileira, e me estimulou a escrever um outro relatando e analisando experiências comunitárias nos demais países da América Latina. Confesso que, por vezes, me via escrevendo o livro como se fosse uma carta ao Papa Francisco, como um narrador, tal qual descreve Walter Benjamin, talvez as pessoas percebam isso na leitura, ao menos deixei algumas pistas. 

Exatamente, a intenção era o livro e o filme, a ser dirigido pelo cineasta Silvio Tendler, mas infelizmente ainda não conseguimos recursos para o filme, mas, com a edição pronta, meu desejo é transformá-lo em uma série, quem sabe para a Netflix, pelo alcance. São muitas histórias e há uma profunda filosofia ancestral e comunitária que precisa ser melhor compartilhada e compreendida pelo mundo que vem da América Latina e seus rincões mais esquecidos e desprezados. Agora quero me dedicar a isso e, quem sabe, consiga apoio para realizar essa série. São histórias muito bonitas, originais e potentes que surpreenderão o público. Tenho certeza.

 

O livro está dividido em duas partes, uma primeira mais teórica, e outra em que conta histórias. Histórias de pessoas comuns, histórias de guerrilheiros, de padres “villeros”, pequenas grandes histórias que, como você diz, nos fazem perceber no mundo. Desde o princípio a ideia era esta, contar as histórias dos coletivos/ organizações comunitárias por meio de seus personagens? 

Sim, a primeira parte é teórica, explicito os conceitos fundamentais, desenvolvo a teoria e procuro demonstrar como ela se realiza a partir de equações matemáticas. Na segunda parte, mudo até mesmo minha forma de escrita, colocando-me como um narrador que vai alinhavando pontos de identidade ancestral e contemporânea dos diversos países por onde passei, mas sempre a partir do método da micro-história e da descrição densa, falando de pessoas comuns e da capacidade que elas têm em mudar suas realidades. Comum talvez não seja a palavra mais apropriada, se bem que é esse o conceito historiográfico, isso porque são pessoas e histórias extraordinárias, conforme (Eric) Hobsbawm apresenta em livro sob o qual também me inspirei. A escolha das histórias vai no sentido de apresentar conexões e identidades, mesmo em realidades tão distintas.

Geralmente você é chamado para falar (em palestras, entrevistas, etc). Para o livro, parece ter invertido o papel, e viajado disposto a escutar… Foi como imaginava? Algo ou alguém em particular o surpreendeu?

Como disse, para esse livro mudei o meu papel, fui um escutador e na escuta me esforcei em transmitir as histórias como um narrador, oferecendo elementos para que as pessoas pudessem penetrar nessas histórias, conhecendo as pessoas e suas formas de pensar e agir. Nos tempos atuais fala-se muito de identidades, mas identidade sem alteridade não gera solidariedade e emancipação coletiva. Com o livro procurei demonstrar que é possível fazer com que alteridade e identidade caminhem lado a lado. 

  

Você fala muito em alteridade, na capacidade de se perceber no outro (por mais diferente que este ‘outro’ possa parecer), e do papel da arte neste processo. Isso parece ganhar um peso ainda maior nestes tempos tão difíceis, não? 

Sem dúvida! O esforço com o livro foi demonstrar exatamente isso, contando histórias aparentemente díspares de realidades sociais, econômicas e culturais muito diferentes, mas que se encontram. Se, ao final da leitura, as pessoas tiverem conseguido perceber isso, o livro terá cumprido sua missão. 

  

As fotografias do livro são do seu irmão, Mario Miranda Filho. Vocês já fizeram outros projetos juntos? 

Quem organizou as viagens foi a minha esposa, Silvana (Bragatto), que é engenheira especializada em logísticas e economia circular e que, ao longo da década, me acompanhou na maioria das viagens. As fotos são do meu irmão mais novo e este foi nosso primeiro projeto em comum. Já penso em outro…Gostaria de contar histórias de fluxos migratórios na América Latina, acompanhar o trem, La Bestia, que, na verdade, são vários trens e caminhos, no México, a fronteira norte no Brasil, os desplazados na Colômbia… Enfim, quero contar as histórias dessas pessoas com a dignidade que elas merecem e com registro fotográfico feito por meu irmão. Já trato disso em alguns capítulos, como a história de três irmãs de El Salvador, crianças com 9, 7 e 6, capturadas no sul dos EUA quando brincavam na rua e que foram deportadas para a Guatemala, colocadas em uma Casa do Migrante e que lá vivem sem os pais. 

Note a situação: crianças nascidas nos EUA, filhas de migrantes não documentados, arrancadas de seus pais, levadas para um país estranho que nem é o de origem familiar, vivendo praticamente em cárcere. Nos últimos anos, notícias de deportação de crianças por parte do governo dos EUA tornaram-se públicas e chocaram o mundo. Para mim, o choque aconteceu quando quando me deparei com essa história na Guatemala, daí conto a história de um casal que tem um ponto de cultura na Cidade da Guatemala e como eles trabalham com essas crianças. São, talvez, o único fio de humanidade, gentileza e afeto a quem essas crianças podem se ligar. Relato, inclusive, a metodologia do borboletário, para meninas violadas, mas prefiro não dar spoiler.

 

Já recebeu alguma proposta de tradução para o espanhol?

Ainda não. Junto com a ideia da série documental, e por que não, em ficção, é minha prioridade, quero muito que o livro possa ser lido em espanhol. A propósito, já incorporei muitas palavras do mais fino portunhol (risos). Como disse, são histórias escondidas dos rincões mais afastados e que precisam ser desveladas em toda a sua força. Este é um livro decolonial e que se pretende depatriarcal, mesmo escrito por um homem, em exercício de alteridade, registro, bem como de desmercantilização das relações sociais. Esforcei-me muito para bem contar essas histórias e espero que o público aprecie. Mas gostaria que a tradução para o castelhano, e mesmo para outros idiomas, tivesse o mesmo tratamento editorial, forma e fotos que a edição brasileira para passar essa ideia de conjunto.

⇒Leia a Introdução de “Por todos os caminhos” (páginas 11 a 13)

Conheça as entidades culturais de base comunitária que ajudaram a contar essas histórias:

MÉXICO
  • Huehuecoyotl – Ecovila da Paz: Tepoztlán, estado de Morelos
  • Centro das Artes Indígenas do povo totonaca: Tajín, estado de Vera Cruz
EL SALVADOR
  • Tiempos Nuevos Teatro (TNT): Los Ranchos, departamento de Chalatenango
  • Museo de la Palabra y la Imagen (Mupi): San Salvador
HONDURAS
  • Copán – cidade arqueológica do povo maia
GUATEMALA
  • Caja Lúdica: Cidade de Guatemala
  • Escola Frida Kahlo para ninõs y niñas pintores: Cidade da Guatemala
  • La Asociación de Estudios y Proyectos de Esfuerzo Popular – Eprodep: Quetzal
  • EducArte: Antigua
BELIZE
  • Caracol – desenvolvimento da comunidade juvenil: Arenal
 
COLÔMBIA – MEDELLÍN
  • Corporación Cultural Nuestra Gente
  • Corporación Cultural Barrio Comparsa
  • Corporación Cultural Canchimalos
  • Fundación Ratón de Biblioteca
  • Biblioteca El Limonar
PERU – LIMA E CUSCO
  • La Tarumba
  • Vichama Teatro
  • 5 minutos 5
  • Biblioteca Comunitaria Don Quijote y su manchita
  • Centro Cultural Waytay
  • Colegio Pukllasunchis
  • Waynakuna Tikarisunchis Paqarimpaq
BOLÍVIA – EL ALTO
  • Fundación Compa
  • Fundación Wayna Tambo
ARGENTINA
  • Fundación Crear Vale la Pena: San Isidro, grande Buenos Aires
  • Grupo de Teatro Catalinas Sur: La Boca, Buenos Aires
  • Fundação Pontifícia Scholas Occurrentes: Buenos Aires
  • Orquesta-Escuela de Chascomús: Chascomús, província de Buenos Aires
  • Centro Cultural Chacras de Coria: cidade de Mendoza, província de Mendoza
  • Grupo de Jovens de San Antonio de los Cobres: La Puna
BRASIL
  • Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural: São Paulo
  • Instituto Pombas Urbanas: Cidade Tiradentes, São Paulo
  • Thydêwá – Índios On-Line: Olivença, Bahia
  • Grãos de Luz e Griô: Lençóis, Chapada Diamantina, Bahia

Por todos os caminhos: Pontos de Cultura na América Latina

Autor: Célio Turino

Edições Sesc São Paulo, 2020

380 páginas

ISBN: 978-65-86111-06-4

Preço: R$ 90,00

www.sescsp.org.br/livraria


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